Parte I – O caminho para a Descarbonização
Autor: Claudino Mendes, Ph.D.
Este artigo, dividido em 3 partes, aborda de forma genérica o papel de cada uma dos 3D – Descarbonização, Descentralização e Digitalização – na transição energética, tendo como pano de fundo os objectivos nacionais e as metas do acordo de Paris. Assim, nesta primeira parte, falamos sobre o D da Descarbonização.
Desde a revolução industrial, a utilização de combustíveis fósseis, como fonte de energia, tem aumentado exponencialmente, em consequência do progresso na indústria, nos transportes e na produção de energia elétrica – onde as produções se tornaram cada vez mais intensivas e aceleradas. A exploração exagerada desses recursos constituiem uma enorme ameaça ao ecossistema terrestre. Os gases nocivos a atmosfera libertados por esses setores, têm agravado o efeito estufa e provocado o aquecimento global, fazendo disparar os alarmes da sustentabilidade do planeta face ao nosso modus vivendi.
Os alertas do planeta têm-se reflectido em assombrosas manifestações em cadeia da natureza, onde o aquecimento global impulsa a fusão dos lençóis de gelo e dos glaciares polares, que por sua vez provoca a elevação do nivel do mar, consequentemente, mais inundações e erosão de zonas costeiras e de baixa altitude. Por outro lado, fenómenos meteorológicos extraordinários, que se manifestam por exemplo, em chuvas torrenciais, têm ocorrências cada vez mais frequentes, provando inundações, com grande impacto na qualidade da água potável e na minimização de recursos hídricos, que por sua vez, traduz-se em vagas de calor, incêndios florestais e secas prolongadas. Constituindo, segundo o secretário-geral das Nações Unidas, numa entrevista a revista TIME, “o maior problema colectivo que a humanidade já enfrentou”.
Capa da TIME com Eng. António Guterres. TIME
Com o intuito de debater essa problemática e definir acções claras sobre o destino do planeta, no que tange a sua sustentabilidade ambiental, foi assinado em 2015, durante a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática, o Acordo de Paris. O tratado que foi ratificado por 195 países, incluindo Cabo Verde, é um compromisso unánime, onde todos os países se comprometeram a reduzir a sua emissão de gases de efeito estufa (GEE) para pelo menos 55% até ao ano 2050 e tudo fazerem para fortalecer a resposta global às ameaças das mudanças climáticas. A meta primordial do Acordo de Paris é a descarbonização, com o intuito de manter a temperatura do planeta abaixo dos 2 ºC, preferencialmente não mais do que 1.5 ºC. Desde a revolução industrial, a temperatura já aumento 1ºC e, caso não mudarmos o nosso comportamento, pode aumentar para 3ºC até ao final do seculo.
Setor energético - de vilão ao herói
O setor energético, pela sua transversalidade, é claramente o maior responsável pelas emissões de gases efeitos estufas (GEE) libertados para atmosfera, portanto, o que mais contribui para o aquecimento global. Porém, é do setor da energia que se espera o maior contributo para neutralidade carbónica a partir de 2050, no que tange à redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). A Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA) prevê “que com a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética, pode-se reduzir a emissão de carbono para a atmosfera, em cerca de 90%”.
A referida agência enaltece o papel preponderante da transição energética na caminhada para descarbonização da economia para as próximas décadas. É com este propósito que o Acordo de Paris desafia todos os governos, que tem como base da sua matriz energética os combustíveis fósseis, a iniciarem um processo de transição energética alicerçado na eficiência energética e nas energias renováveis, tendo como alvo a descarbonização em 2050.
Fig. 2 Histórico, projecção e metas das renováveis e eficiência energética no Total do consumo final de energia (TFEC). IRENA
Todavia, a transição energética não é um processo imediato e rectilíneo, pois, em cada fase da sua implementação, apresenta desafios específicos e complexos que devem ser acautelados. Barbara Souza e Silva[1], afirmou no fórum da Energia e Clima que “a transição energética não é um conceito linear feito de rupturas, mas sim de uma longa convivência entre fontes”, e que “o conceito de segurança energética e elétrica está fixada na diversidade de fontes e não só nas renováveis, portanto, há que conciliar todos os recursos energéticos disponíveis, sem prescindirmos de nenhum”.
Assim, de acordo com os novos desígnios do setor energético, a transição energética deve estar alicerçada em 3 pilares fundamentais – Descentralização, Descarbonização e Digitalização – designados de os 3Ds da transição energética.
Transição Energética
As 3 pedras basilares da transição energética, devem funcionar de forma transversal, equilibradas e interconetadas, caso contrário, poderiam produzir efeitos revessos. Uma vez que, apostar em energias renováveis (ER), sem primeiramente acautelar um plano de eficiência energética, seria contraproducente; Implementar medidas de eficiência energética, sem a devida transformação digital dos processos, seria inconsequente. É necessário uma congregação entre os 3Ds para que a transição energética seja consistente, segura e sustentável. A transformação digital do setor constituí um suporte fundamental para a otimização da produção distribuída renovável, para o aumento da eficiência energética e para a mobilidade elétrica, sendo que a descarbonização seria uma consequência inevitável dessas ações.
O setor elétrico de Cabo Verde, durante toda a sua existência, andou atrelado as contingências da conjuntura internacional, no que tange aos recursos energéticos, tornando o nosso sistema energético bastante vulnerável face as flutuações da disponibilidade desses recursos. Vulnerabilidade essa, evidenciada neste período de crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19.
Neste sentido, o novo paradigma de exploração do setor das energias, assente numa transição energética sustentável e amiga do ambiente, abre o caminho para a mitigação da dependência energética, através da exploração de recursos energéticos endógenos renováveis, com destaque para o vento, o sol e o mar, que em abundância agraciam o arquipélago.
Que caminho para a Descarbonização?
Sachs[2] defende que devemos evitar a tentação do caminho fácil e imediato – a que ele chama de “low-hanging fruit” (frutas fáceis de alcançar) – e apostarmos na Descarbonização Profunda (DP), uma vez que, apesar de ser mais árduo, a DP é tecnicamente acessível e viável, permite evitar as armadilhas do low-hanging fruit e coloca as principais economias no caminho certo para a descarbonização total e sustentável. Ele aponta 3 vias: 1) a eficiência energética, com base em sistemas e tecnologias inteligentes (IT, IoT, AI); 2) a descarbonização da eletricidade, aproveitando as melhores opções energéticas de cada país- eólico, solar, geotérmica, hidrelétrica, nuclear e o armazenamento; e 3) a eletrificação, veículos elétricos e biocombustíveis avançados. Aos quais deve-se acrescentar, a dinamização do mercado interno, a competitividade, a inovação e a investigação.
Cabo Verde comprometeu-se no âmbito da Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC), no quadro da COP 21, com o objetivo de superar os 50% de produção de energia elétrica a partir de fonte de energias renováveis até 2030. Atualmente, as energias renováveis correspondem a quase 20% da matriz energética nacional, o que constitui um desafio, mas também uma grande oportunidade para a próxima década [4].Tendo como pano de fundo o Plano de Desenvolvimento Sustentável (PEDS), os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) definido pelas Nações Unidas, e as metas da neutralidade carbónica, definidas no Acordo de Paris, Cabo Verde elaborou vários programas e planos de ação, objetivando a redução de emissões de GEE e a neutralidade carbónica em 2050.
Assim, com o intuito de fazer a transição para um setor energético, seguro, eficiente e sustentável, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e garantindo o acesso universal e a segurança energética, criou-se o Programa Nacional para a Sustentabilidade Energética (PNSE) e o Plano Diretor do Setor Elétrico 2018-2040. De igual modo, com o objetivo de eliminar as barreiras da eficiência energética em edifícios e nos electrodomésticos, o Projecto Eficiência Energética em Edifico e Equipamento (PEEE), criou o Código de Eficiência Energética em Edifícios (CEEE) e o Sistema Nacional de Etiquetagem e Requisitos dos Equipamentos Elétricos (SNEREE).
Almejando a redução da emissão dos GEE pelo setor dos transportes e procurando impulsionar o desenvolvimento do mercado de mobilidade elétrica em Cabo Verde, elaborou-se a Carta de Política da Mobilidade Elétrica Nacional e o Plano de Ação da Mobilidade Elétrica, que estipulam a substituição integral de veículos de combustão interna para veículos elétricos, até 2050. A formação em áreas específicas ligadas as ER e a EF, quer a nível da formação académica, quer a nível técnico-profissional, através do CERMI e dos Centros de Formação Profissional, tem sido uma aposta complementar bem sucedida.
Portanto, a questão central, não é se se vai alcançar as metas propostas, mas sim, como se tenciona fazê-lo. A descarbonização da economia terá de ser um compromisso do governo para com o país, através de legislações e da educação ambiental. Igualmente importante, é a consciencialização ambiental dos promotores privados e de toda a sociedade para este propósito. Não precisamos esperar que se criem leis para começarmos a ensinar a educação ambiental nas escolas e em casa, ou para instruirmos os nossos alunos, filhos e vizinhos, sobre os impatos das alterações climáticas, das suas responsabilidades ambiental e da importância da economia circular.
[1] Acessora do Ministerio de Energias e Minas do Brasil
[2] Jeffrey D. Sachs – Diretor do Instituto da Terra, na Columbia University.